Crônicas

Singulares

Foi um tanto inusitado o como a gente se encontrou, meses atrás, num posto de conveniência. Eu estava com uma amiga e ele com os seus. Trocamos olhares, mas sabia que não viria até a mim e, no momento dessa constatação, optei por ir até ele. Não sei que ímpeto me deu naquele dia, porque não é de meu perfil fazer isso e, para desencargo de consciência, eu ainda estava sóbrio. Vai ver era seu jeito que havia despertado minha atenção.

Tudo fluiu tão rapidamente que juntamos todos numa mesa e ficamos conversando até às três horas da manhã. Viemos para casa e vimos juntos a aurora. Era inverno e não foi preciso mais que dois cobertores, pois nossos corpos haviam se difundido no calor do dia, que ganhava forma lá fora.

Ocorreu que depois desse encontro ficamos quase um mês sem se falar, mas já não era um estranho para mim. Algo havia acontecido. Então me lembrei de que quando abrimos o espírito para conhecer alguém, passamos também a conhecer seu mundo. Das coisas miúdas, como a cor preferida, prato predileto, até as coisas que não temos dimensão, como o amor incondicional pela irmã, pela família, pelo trabalho; o brilho nos olhos quando fala do passado. 

Pessoas são singulares. Claro que por de traz daquilo que somos há bagagem, referências, ideologias, mas não importa o quanto nos relacionemos numa mesma vida, todos que passarem por nós serão singulares. Podemos até fazer alguma transferência, o famoso checklist do comportamento do outro, mas aí estamos falando de nós mesmo, não?

E talvez seja pelo fato de as pessoas serem singulares que me assusta. Ou porque cheguemos à conclusão de que somos um grão de arreia nesse mundo de arranha-céus e que, por mais que sejamos singulares, e provavelmente sentiremos algo, mas essa sensação alguém terá logo à esquina também. As sensações, sim, são plurais.

Eu me lembro de ele ter comentado, na hora de ir embora, que não era para sumir. E prometi que não o faria. Mas fiz. Sumi porque me dei conta dessa dimensão toda de viver. E porque eu que tenho sumido até para mim mesmo, fugindo feito alguém que sempre está atrasado para algum compromisso sem tê-lo.

Eu tenho evitado porque é cômodo, eu acordo, vou para o trabalho e volto para esse meu pertencimento silencioso. É como estar em um lugar sem estar. A tevê como plano de fundo, pessoas falando comigo, mas ali não estou. Eu não tenho estado em tantos lugares… E não é por desinteresse ou por descaso, mas, sim, por uma apatia, que me faz viver no piloto automático a 100 km por hora até dias atrás. E qualquer desalinho nesse percurso havia me exaurido a sagacidade, que ele soube no instante em que trocamos olhares.

Não sei o que será de nós logo adiante, e não me interessa saber. O que sei é isso: que me fez perceber o quanto, cada um de nós, somos singulares. Portanto, únicos.

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Leandro Salgentelli nasceu em Jundiaí (SP), em 25 de setembro de 1994. É jornalista e especialista em Cultura Material e Consumo pela USP. Foi vencedor de dois prêmios nos gêneros crônicas. Atualmente, trabalha com assessoria de Relações Públicas Instituicionais.

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