Crônicas

Amar, outra vez

Cheguei ao consultório por volta das 18 horas. Sempre adiantado, não demorou mais que três segundo para ela me perguntar: “Como foi a semana, Leandro?”. Desconversei da pergunta por que finalmente havia conseguido desfazer da máscara: estou pronto para amar novamente, Rosangela. Ela deixou o computador de lado e desconfio que tenha percebido que as sessões dali por diante não seriam mais as mesmas.

Não são todos os dias que saímos pelas ruas esbravejando algo que a gente teme, ainda mais quando nada está acontecendo. E nada estava acontecendo mesmo — a não ser internamente.

Terapia geralmente é repetitiva, uma busca incessante de juntar o quebra-cabeça que somos todos. É natural que de início há uma blindagem e corremos um grande risco de fazer um percurso para camuflar as fraquezas, mas é narrando-se que nos despimos. Então ela começou com as investigações, o que havia despertado em mim que balbuciava com tanta certeza “o estou pronto”.

Há quem saia das relações amorosas tumultuando em outra, fazendo madrugadas festivas como se tivesse perdido a vitalidade, o famoso preciso viver até a última gota. Mas nenhum término é fácil, ainda que ambos tenham chegado à compreensão do fim. Rupturas doem a ponto de parecerem fraturas expostas, e evitar essa dor só adia a cura. Aliás, adiar a dor que é perigoso.

Mas há quem vive esse luto até que se evapore. Lembro-me de viajar para tentar amenizar a tristeza e ainda, sim, não me encantar com o pôr do sol, com as novidades, perceber outras pessoas, outros olhares. Viajava com a mala cheia, pesada, impedindo que trouxesse um livro, uma lembrança de onde passei.

Por muito tempo deixei a porta trancada, vegetando em cima de uma cama com lembranças que não cessavam o pensamento. E finalmente quando parecia uma fagulha de recuperação o sentimento retomava. Diante da dor, o melhor jeito é respeitar.

A boa notícia é que não existe um termômetro ou um manual com instruções de como passar por essa devastadora e dolorosa sensação. Pode durar um mês, dois, um ano ou mais. Cada um sabe o seu tempo.

E depois desse hiato, descobre-se o novo. O céu passa a ter cor. E conhecer o outro deixa de ser tão inóspito. Volta a ser o que era. Alguém que, ainda com seus ideais, valoriza o silêncio durante o jantar, sente os olhos cruzarem ainda quando está compreendendo esse novo sentimento. O inverno passa a ser colhedor. O bom humor ressurge em dias difíceis. O sorriso brilha, assim como os olhos. E se olhar no espelho nunca foi tão interessante. Ao sair com os amigos, as pessoas a percebem.

Amar deixa as pessoas mais atraentes, nem foi preciso esperar a primavera. Você se sente mais vivo, mais experiente, se sente pronto. Tudo isso tem nome: amar.

Amar, outra vez. Outra vez, amar.

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Leandro Salgentelli nasceu em Jundiaí (SP), em 25 de setembro de 1994. É jornalista e especialista em Cultura Material e Consumo pela USP. Foi vencedor de dois prêmios nos gêneros crônicas. Atualmente, trabalha com assessoria de Relações Públicas Instituicionais.

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