Competência para amar
— Você tem competência para amar, Leandro —, disse minha terapeuta dia desses em uma das sessões. Voltei para casa feliz como nunca com esse presentaço ganhado numa bandeja, mas sabia que estava dizendo outras coisas por atrás dessa fala, o que me julgava entender.
Geralmente procuramos psicoterapeutas para falar sobre escolhas amorosas ou relacionamento com a família, e descobre-se durante que um está atrelado ao outro. No meu caso, busquei ajuda pelo fim de um relacionamento e estou descobrindo um emaranhado de coisas da infância, aquilo que me assombra até hoje.
Presumo que seja comum os psicanalistas ouvirem que outro não prestava, que o outro era ruim, mas é sempre bom entender o que fez a gente escolher esse outro. E se esse outro era tão ruim assim, onde estava com a cabeça que aquilo era bom? O que projetou, o que admirava? O que não se percebeu? E se não percebeu mesmo é preciso descobrir onde é que se conectou com esse outro. Porque você estava lá. Eu estava lá. Não é sobre o outro. É sempre sobre nós. E isso demanda uma coragem que nem todos tem competência para encarar de frente: e aí, o que fez você ficar nessa relação?
Entendo que um relacionamento satisfatório é quando se tem a compreensão de que somos seres partidos. É quando se olha para os lados e entende as escolhas que se faz e mais: compreende que é você por você mesmo — que acredito que seja o ganho da maturidade. É aquele senso ético “você é capaz de bancar isso?”. O que traz uma responsabilidade muito grande, porque o relacionamento não é sinônimo de sexo, vai além disso, é estar com o outro, envolve a entrega, a capacidade de lutar pelo amor, renunciar e não apenas a busca pelo prazer. É o que Yung dizia: relacionar-se, como um todo, em nossa vida, é um processo de conhecer a si mesmo.
Ontem mesmo pensava sobre isso: o quanto perdemos a capacidade de que, ao nos relacionarmos, vamos errar, e que esse erro vai trazer à tona dores conscientes ou inconscientes. No lugar de vítima a gente não consegue fazer nada, e tenho a impressão de que as pessoas geralmente fazem esse movimento mesmo. Não estão dispostas a enfrentar as dificuldades que surgem, porque surgem, relacionar-se não é só prazer, lembra o que Yung dizia?
Mas se você, assim como eu, não foge de suas broncas, se faz importante reconhecer a responsabilidade nas escolhas.
Logo após o término pode parecer o maior arrependimento da vida, a ponto de esse grau não ser mais elevado porque através do outro conheceu pessoas maravilhosas, como os amigos, como a família toda. Parece bobo a maneira como se termina e pelo motivo, mas em geral são somatórias de coisas, o desrespeito que vai se acentuando, conversa que se tenta aqui, outra lá, os silêncios intermináveis do outro que fazem a gente questionar sobre os nossos pontos de vistas, num sentindo “você é louco”, no meu caso, sempre os mantive — eu não era o louco da história. Hoje tenho a clareza disso tanto quanto todo o resto.
A gente passa a conhecer o outro nas pequenas atitudes e era evidente que a maneira como tratava os seus próximos, o descaso, ocorreria comigo também. A minha surpresa é que foi num curto espaço de tempo, a ponto de chegar a questionar: como a gente está com tantos conflitos em um período tão curto? Era para estarmos na fase do love. Mas um narcisista sempre dá um jeito para ter controle da situação, devido a sua tamanha insegurança. Que bom que percebi há tempo que projeção de felicidade é um erro imperdoável.
No entanto, o que ele não contava é que eu não fosse ficar. E eu jamais fico em lugares em que não sou respeitado. Amor nenhum me faz ficar e ninguém tem esse poder sobre mim. Porque eu sei de onde vim. Se eu tiver que passar pela vida tentando de todas as maneiras possíveis a reciprocidade, o cuidado, o afeto, não tem problema, eu banco isso. Virei a página no dia em que entreguei a chave da casa dele e de lá para cá venho me recuperando, a cada dia melhor.
Talvez seja isso a grande contribuição da psicanálise: compreender que fazemos escolhas, às vezes boas, às vezes nem tanto. E compreende-se o que nos leva a esse lugar. E trazer a consciência de que se você entrou, você também sai, e se você sai, diga-se, você tem competência para amar. Porque o amor é sempre em primeira instância, quando se tem isso é questão de tempo para que chegue todo o resto.
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Leandro Salgentelli
Leandro Salgentelli nasceu em Jundiaí (SP), em 25 de setembro de 1994. É jornalista e especialista em Cultura Material e Consumo pela USP. Foi vencedor de dois prêmios nos gêneros crônicas. Atualmente, trabalha com assessoria de Relações Públicas Instituicionais.