Crônicas

Homenagem aos solteiros

Não tem sido fácil viver. Se até pouco tempo buscavam-se relacionamentos sólidos, hoje esse conceito caiu em desuso. Há opções para todos os tipos e gostos. Namorar, ficar, casar. E, ao afinarmos esse conceito, veremos variáveis opções de convivência. Monogamia, poligamia, amor livre, amizade colorida, relacionamento aberto, etcétera e tal. Mas quais são as garantias de sucesso?

Há coaching de relacionamento para todos os lados apontando os caminhos para chegar a essa conquista. Amar virou soma matemática. Fala-me o quão sucedido é que falo dos meus atributos. Enfim, é o efeito desse mundo de arranha-céus.

No entanto, o Dia dos Namorados ainda é um referencial para uma boa camada da sociedade, a ponto de o conceito de estar sozinho tornar-se inóspito, evitado a todo afinco. Ainda se prega a solteirice como um estágio para se ficar por tempo determinado, o que pouco se considera é que ela pode ser também um estilo de vida.

Há pessoas que simplesmente não querem estar em relacionamentos sólidos, que não querem ter filhos, que não querem casar, e quem se atreve a dizer que há algo de errado nisso?

Tem sido frequente evitar estranhos. A fugir de conversas que me obrigue uma condescendência humilhante, a explicar porque defendo um ponto de vista em vez de outro. Ao ouvir alguma barbaridade, tonou-se natural pedir licença e inventar alguma desculpa para ir embora. Claro que, dentro dessa redoma de complexidade, percebo a minha intolerância. Essa minha inclinação de atuação se dá também em diálogos com affair dos aplicativos de relacionamento, onde você mora, o que você faz, qual sua altura, qual é o seu signo? Enfim, assim tenho vivido: dentro das preguiças diárias sair sem que deem pela minha falta.

Eu consigo atribuir essas minhas reações pelo fato de conviver comigo mesmo por tanto tempo. A solidão vicia a ponto de nos tornamos um tanto antiquado, diria. Claro que as cicatrizes contribuem para chegar a esse lugar. No entanto, depois de muitas tempestades, a solidão se torna aconchegante. E se torna tão confortável que não vê problema algum em ir ao cinema sozinho, a viajar sozinho, a abrir um vinho sozinho, a dançar na própria presença.

E, na própria presença, passa-se a observar o entorno, alegrar-se por coisas tão miúdas que até mesmo os outros achariam estranho. Chora-se por um filme emocionante, entristece nas viradas das noites. E então, ao amanhecer, ao desatar as janelas, abre-se também uma alegria despercebida, e o silêncio, evitado por tantos, passa a ser nossa morada.

Há quem são tentados pelos desvios, que se negam a seguir o que a solenidade determinou como “certo”. Essa é a nova normalidade, a qual ninguém tem a obrigação de seguir os scripts estabelecidos. O único cuidado que se deve ter é para que o isolamento não se transforme em mutilação, caso contrário, é tocar a vida em frente.

Nada tem garantia de sucesso vitalício. Nem mesmos os experts, que ensinam a como dar certo, tem a varinha mágica. Nem mesmo um casamento que dura há três décadas pode garantir essa segurança. Até mesmo a solteirice pode se tornar tediosa e que nos inclinem as novas experiências…

Só o sujeito nota 10 que se apavora diante do abismo iminente.

A vida é desalinho e inconstância, e só se dando conta disso que se pode levar uma vida como se gosta.

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Leandro Salgentelli nasceu em Jundiaí (SP), em 25 de setembro de 1994. É jornalista e especialista em Cultura Material e Consumo pela USP. Foi vencedor de dois prêmios nos gêneros crônicas. Atualmente, trabalha com assessoria de Relações Públicas Instituicionais.

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