Viver tornou-se insuportável
Quando escrevi a crônica que dei título ao meu livro Oceano de sentimentos não sabia quantas emoções me alcançaria de 2016 para cá. Não esperava que o livro chegaria à terceira edição, não esperava as águas turvas, os dias de sol e os dias de chuva. Como também não esperava que fosse conhecer Copacabana, que iria conhecer pessoas incríveis, que iria viver uma paixão e que faria loucuras para viver uma história que algum momento sofreria com a ruptura.
No texto, tentava expor a fragilidade humana, o quanto o vazio é inerente a qualquer idade, que os nossos questionamentos não são lá tão diferentes dos estranhos que passam por nós todos os dias. Tentava expor o quanto somos sensíveis, que têm dias que estamos movediços, em outros, calmo. Que precisamos da letargia, do silêncio, de estar em própria companhia para se reencontrar.
O curioso é que nesse esforço da submersão acabamos por perder a fadiga. É natural. Como também é natural ter medo, ficar inseguro, sentir saudade, sentir a ausência a ponto de perder o rumo. E, como sair de casa tornou-se contraproducente num cenário em que tantas mortes nos cercam, nessa angustia estamos atravessando os dias.
A pandemia embora tenha trazido o caos ao mundo, tem também nos condicionado a sentar e repensar àquilo que levamos no íntimo sem máscaras. Antes evitávamos esse contato com noitadas, happy hour, vida agitada aos finais de semana. Até os mais introspectivos estão com dificuldades para lidar com tanto nó(s).
A solidão me abraçou de maneira que nunca havia ocorrido. Observei-me na imensidão desse apartamento, que não é maior que esse sintoma, e me senti num mundo à parte, já que nada mais faz sentido.
Fazia tempo que não me sentia assim: tão vulnerável com licença concedida.
Enquanto essa inquietação me afligia, fui arrumar minha casa e a cada prateleira que limpava sentia um vazio. Das prateleiras fui aos ambientes, havia muito espaços ociosos que poderiam ser preenchidos com mais livros, com mais viagens, com mais arte, com mais lembranças, com mais de mim mesmo.
Não tem sido fácil, a fragilidade tem abraçado a todos nós. Quando isso acontece costumo disfarçar com esoterismo, com música, com o voyeur que me persegue. Mas está tudo bem, acolho minha solidão como acolho minha alegria.
Então abri um vinho, que é o que fazem os corajosos. E tive que constatar que tenho passado por dias em que a única coisa que sinto falta é o abraço. De poder estar perto de pessoas que gosto sem que isso seja um espanto. De poder ir ao cinema sem me preocupar com um espirro. De conhecer pessoas, viajar, amar. Amar. Se viver tornou-se insuportável, em que momento perdemos o time?
Permaneceremos isolados por um bom tempo. É o que tem que ser feito nesse momento. Mas que isso não nos impeça de caminhar nesse labirinto que somos todos. Podemos andar em círculos, ter vertigem, perder o rumo, mas que não nos impossibilitem o reencontro. Porque uma hora, acredite, tudo isso a de passar.
Compartilhe isso:
- Clique para compartilhar no Twitter(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Facebook(abre em nova janela)
- Clique para imprimir(abre em nova janela)
- Clique para enviar um link por e-mail para um amigo(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no LinkedIn(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Reddit(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Tumblr(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Pinterest(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Pocket(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Telegram(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no WhatsApp(abre em nova janela)
Relacionado
Leandro Salgentelli
Leandro Salgentelli nasceu em Jundiaí (SP), em 25 de setembro de 1994. É jornalista e especialista em Cultura Material e Consumo pela USP. Foi vencedor de dois prêmios nos gêneros crônicas. Atualmente, trabalha com assessoria de Relações Públicas Instituicionais.