Um estranho conhecido
Ele foi até a portaria me buscar após enviar por mensagem que havia chegado. Não demorou mais que dois minutos, e lá estava ele, com o ar mais despretensioso do mundo. Seu cabelo era impecável, parecia que tinha saído do salão horas antes. Trocamos um beijo no rosto e, no momento em que fiz o elogio, confirmou que trabalhava em um salão luxuoso aqui da cidade. Caminhamos por alguns segundos em silêncio, até que chegando à entrada de seu apartamento, no que pediu para não reparar na bagunça porque havia se mudado recentemente — e, curiosamente —, pediu para fingir que éramos amigos, já que dividia o apartamento com uma moça, que também conhecia há pouco tempo. Se o que estava acontecendo ali era uma terrível coincidência, não me atrevi balbuciar, mas era visível meu desconforto com a situação.
Ao entrar em sua casa imaginei que tivesse tudo do avesso. Caixas para todos os lados, móveis para serem montados, mas, não, o que tinha na sala era apenas um lustre muito refinado e uma cortina branca com blecaute cinza. Era uma noite linda e ela estava fechada, impedindo que luz noturna de fora tomasse forma dentro.
— Você vem de onde? — perguntei despretensiosamente.
Só então me ocorreu o quanto minha pergunta havia sido inadequada a um estranho completo conhecido. Tudo que ele fez foi me encarar pela primeira vez com ímpeto de “não tínhamos combinado?”. Logo ouvi uma porta dos quartos se abrir e ela apareceu. Uma mulher linda, loura, com o sorriso mais afetuoso que tinha recebido desde a hora em que cheguei. Pediu desculpas por não ter cadeira, rimos do infortúnio, e desenfreamos uma conversa, enquanto que o estranho conhecido não desgrudava do celular. Ela havia acabado de chegar ao Brasil, ficou um tempo na Europa, depois foi para Canadá e estava incrivelmente feliz por ter conseguido um emprego tão rápido. Deu dois beijinhos em meu rosto e disse que precisava se recolher porque tinha que acordar bem cedo no dia seguinte.
— Tem certeza que ela não gosta de estranho — provoquei.
Eu tentava atravancar algum assunto que pudesse chamar sua atenção, olha para mim, estou aqui. Não era apenas desinteresse, o que me deixava intrigado era sua completa falta de educação, que era percebida à distância por qualquer um que ousasse a estar no meu lugar. Ele era mais um daqueles rapazes com senso de importância demasiada. Claro que aquela cena foi me deixando ríspido, a ponto de ficar a todo o momento me perguntando “o que é que está acontecendo aqui?”. Cheguei a cogitar uma timidez, mas segundos instantes depois voltei atrás, constatei que era um apático por conivência. Então fiquei em silêncio porque naquele momento queria saber até onde poderia chegar. No momento em que percebeu que meu silêncio era constrangedor, e quis se redimir, já era tarde.
— Até mais! — as palavras saíram de mim com tanto desprezo que certamente enfatizava um “até nunca mais!”.
Quando demorou mais de cinco segundos para compreender o que havia dito, eu já estava na porta. Pediu desculpas, mas já era infrutífera qualquer tentativa de benevolência, de modo que também não perdi meu tempo em verbalizar.
Tento entender o que aconteceu até hoje. Possivelmente era um desprovido de qualquer empatia, ou encarnou que o estranho mesmo era apenas eu.
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Leandro Salgentelli
Leandro Salgentelli nasceu em Jundiaí (SP), em 25 de setembro de 1994. É jornalista e especialista em Cultura Material e Consumo pela USP. Foi vencedor de dois prêmios nos gêneros crônicas. Atualmente, trabalha com assessoria de Relações Públicas Instituicionais.