Crônicas

Nada comum

Eu nunca fui um sujeito que lidava bem com as coisas que aconteciam ao meu redor. Pudera, muitas coisas poderiam ter sido evitadas e até mesmo vivida. Nunca lidei bem, por exemplo, com casamento. Lá pelos meus quinze anos, eu não entendia se aquele ato era por amor ou condescendência. Fosse amor, plausível. Mas sabemos bem que a sociedade nos impulsiona a esse meio. 

Lembro-me de ainda na escola, quando colegas de classe começaram a ficar com uma, com outra. Uma vez cheguei de gaiato numa roda, após o término da aula, e tentava descobrir o assunto. Quando teve um número considerável de pessoas, um rapaz beijou uma garota. Havia gritos e risos, como quando o novo se apresenta, e era, mas a mim faltava algo. Não era comum.

Era custoso entender, também, as subjetividades das relações, nada me parecia espontâneo. Tinha a impressão de que as pessoas se relacionavam para afagar algum vazio, exemplo disso quando visitavam minha mãe, porque não tinha outra coisa para fazer.

Lembro-me também de uma época em que minha mãe me encaminhou para uma psicóloga, dizia que eu não socializava e tinha uma preocupação exacerbada, temia que fizesse alguma besteira. E de certa forma foi a melhor coisa que fez. Com ela, pude expressar todas as coisas que me eram indigestas.

A vida seria mais fácil se não me percebesse tanto.

Provavelmente estaria casado, cuidando dos filhos e da minha mulher. Não seria tão custoso estar em lugares por obrigação. A paquerar no barzinho para tirar algum proveito depois. A conversar com o vizinho no elevador para não ficar naquele silêncio constrangedor.

Nunca digeri bem as coisas que não fossem espontâneas, os teatros das convenções. Se por um lado percebia as intenções do ínfimo, por outro percebia também o quanto a escola tirava a personalidade. Por que viver assim, saltando de boca em boca, não poderia ser normal?

A introspecção sempre esteve comigo, e no quesito das relações, quando percebia que as pessoas estavam no mesmo local por conveniência, e tudo que dissessem não parecesse “normal”, pedia licença, inventava algum compromisso e ia embora — sabia que não iam sentir pela minha falta.

Sigo intolerante para muitas coisas, percebo à distância as falas sublinhadas, mas não me afetam tanto. O casamento deixou de ser um problema, assim como a paquera, o nada com nada, enfim, só não condizem com meu estilo.

Levou-se um tempo para considerar que esse meu jeito de olhar para a vida não era baixa autoestima, mas, também, um jeito comum de se levar a vida.

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Leandro Salgentelli nasceu em Jundiaí (SP), em 25 de setembro de 1994. É jornalista e especialista em Cultura Material e Consumo pela USP. Foi vencedor de dois prêmios nos gêneros crônicas. Atualmente, trabalha com assessoria de Relações Públicas Instituicionais.

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