Depois daquele beijo
Nossos olhos se cruzavam rotineiramente todas às vezes que nos encontrávamos. Era curioso o como nossa afinidade se propagava a cada comentário sobre o tempo, ao falar sobre um filme que, curiosamente, assistimos, ou, sei lá, quando riamos de qualquer trivialidade oportuna.
A conversa tomava proporção a cada mensagem enviada pelo Instagram, quando passávamos a madruga falando sobre percepções da vida, refletindo sobre algo que nem tinha tanto valor – mas que de certa forma tinha, pois era a maneira que encontrávamos para passar o tempo juntos.
Até que certo dia, de filme em filme, chegamos aos nossos corpos, mãos que se tocavam entre um semáforo e outro, um suspiro que se percebia em silêncios que não eram incômodos. O beijo aconteceu.
Eu já estive naquele lugar antes. Mas nunca é do mesmo jeito.
Falo dos olhares que se cruzam, dos sorrisos de canto de lábio, aquele que faz a gente se sentir vivo a ponto de elevar nossa autoestima, reproduzindo uma confiança que é percebida à distância. Tudo isso é repetitivo, emoções, como se sabe, são universais.
Mas é no beijo que tudo isso se confirma. É ali que nossa audacidade é exposta, em que tudo se revela. E nunca é do mesmo jeito, porque ao beijar alguém, estamos beijando outro mundo, que conheceu outros corpos, que experimentou tantas outras sensações, que foram importantes para o amadurecimento da existência.
É no beijo que descobrimos se vamos desabar, se a queda será livre, se a ventura vai trazer algum retorno emocional, se vai faltar o fôlego, se vai sentir o esporádico, aquilo que não nos leva de volta a traquinagem.
É nesse contato que descobrimos o choque, aquilo que palavras não consegue absorver, que personagem nenhum consegue camuflar o que a expressão grita. São nos minutos depois que se descobre o magnetismo, a reação do “você vai se machucar com isso”, em que o pânico aparece, levando-o a um lugar desconhecido.
Você já esteve lá antes, mas os móveis são diferentes, o sabor é diferente, o toque salta os poros. Você volta para uma conversa entre amigos, sem saber o que dizer, você não está ali, algo aconteceu, mas você não sabe exatamente o quê.
Sabe. Só é difícil processar: apaixonou-se.
E uma vez apaixonado, seja aos 30, 40, 50 anos, não importa a idade que tenha, terá que lidar com o incompreensível, aquilo que não é tangível nos primeiros minutos depois. Você vai se olhar no espelho e rir sozinha, feito uma adolescente apaixonada, mas não importa, você carrega a infância, a juventude, tudo está estranhado. Você vai dormir melhor, os problemas sumirão por alguns dias, você ficará radiante, isso tudo por causa de um beijo. Depois daquele beijo.
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Leandro Salgentelli
Leandro Salgentelli nasceu em Jundiaí (SP), em 25 de setembro de 1994. É jornalista e especialista em Cultura Material e Consumo pela USP. Foi vencedor de dois prêmios nos gêneros crônicas. Atualmente, trabalha com assessoria de Relações Públicas Instituicionais.