One and only
Era uma quarta-feira qualquer. Voltando para casa, ouvindo One and only, de Adele, aquele trecho em que ela diz: “I don’t know why I’m scared/ ‘Cause we’ve been here before/ Every feeling, every word/ I’ve imagined it all/ You’ll never know if you never try” e, entre um sinal e outro, com os vidros do carro fechados, comecei a chorar.
A letra fala sobre o momento em que ela se dá conta de um sentimento que não é estranho. E como é difícil o caminho entre sair da dúvida até entregar o coração. Na letra, ela se coloca no lugar do homem amado, mas no fundo estava falando dela mesma. É natural, sempre voltamos a nós ao falar do outro.
Eu chorava ao ouvir porque tantas coisas me aconteceram nos últimos tempos. Mudança de apartamento, que implicaram em mudanças internas. A compra de um carro, que ainda me faz pensar sobre “o ser adulto”. As novas responsabilidades no trabalho, a ideia de corresponder as expectativas dos amigos, um curso de especialização que está me tomando um tempo que não achei seria tão crucial. Mesmo nessa correria diária, tudo burla aqui dentro.
Talvez seja porque nunca absorve a vida como os outros. Pudera, talvez seria natural se relacionar, ter a consequência singela de casar e construir uma família. As coisas nunca me pareceram naturais, cinema em uma boa companhia, jantar a dois e um bom sexo depois. Talvez o natural me espante. O óbvio. A consciência dessa cronologia já sabida desde o início. A consciência nua e crua: acorda, a vida é isso.
Eu nunca volto dos lugares como entrei. E caber nessa inteireza sempre me foi doloroso. Minha mente sempre está um passo à frente do meu corpo, dos meus gestos. E pensar sobre isso volta e meia bate uma angústia…
Eu chorei porque ainda estranho quando brilham meus olhos, quando sinto que as coisas são mais do que aparentam ser, como o trecho lá do início – não sei porque estou tão assustado, pois já estive aqui antes.
Ao mesmo tempo que esse sentimento é estranho, porque existem as placas de advertência indicando, olhe, toma cuidado, coloque os pés no chão, vai se machucar de novo; uma outra parte informa para se jogar, arriscar, tentar, não há o que perder.
Então ignoro a ambivalência que me deixa atordoado, abro os vidros do carro, coloco uma das mãos para fora a fim de sentir o vento. E, entre um carro e outro, avistei o céu, que estava diferente, mas já esteve assim antes. E então encerra a música. Until the end starts now. Até que o fim comece, agora.
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Leandro Salgentelli
Leandro Salgentelli nasceu em Jundiaí (SP), em 25 de setembro de 1994. É jornalista e especialista em Cultura Material e Consumo pela USP. Foi vencedor de dois prêmios nos gêneros crônicas. Atualmente, trabalha com assessoria de Relações Públicas Instituicionais.