Crônicas

Até lavar uma xícara de café exige concentração

Amar sempre provoca em mim emoções e sentimentos que muitas vezes levam tempo para serem percebidas no dia a dia. São percepções capturas no interior, meio embaraçada, que podem surgir de um desejo reprimido, uma vontade de fazer parte de algo maior. Me pego muitas vezes questionando essa sensação boa que me permeia. Qual é o momento da vida em que damos por satisfeito? Em que as satisfações são inteiramente plenas? 

Então me vejo diante das faltas, daquele vazio existencial que não é palpável sua origem, mas que estava ali até ontem, fazendo morada no mais íntimos e que, de repente, se evapora.

Seria tão mais fácil não estar atento a tudo que me acontece, se minhas indagações não fossem tão visíveis para mim mesmo. Se teria uma vida satisfatória? Um namorado, compromisso na casa da sogra no fim de semana, com amigos, rindo de uma alegria tão genuína capaz de questionar: até quando?

Espera, isso está acontecendo.

Quem olha de fora, diria qual a finalidade de ser tão persecutório. Como é difícil reconhecer para nós mesmos que tudo está bem, que merecemos esse estupor, essa satisfação de serenidade.

Penso que evolui um pouco, em outras épocas estaria esperando o fechar das cortinas, o sinal de alerta de que as luzes estariam acesas e que não teria outra alternativa senão voltar para a casa apenas com aquele sentimento do porquê acabou. Curiosamente, não é assim que me sinto.

Outro dia ele me perguntou o que eu tinha visto nele que não conseguiu perceber. Não soube o que responder, mas de algum modo chegou a compreensão de algo que tinha me dito em uma de tantas conversas que tivemos. Falávamos sobre a insatisfação, a busca de sempre estar contra o tempo, e ele me disse: “Até lavar uma xícara de café exige concentração”. De certa forma, é assim que consigo perceber: a concentração vem cercada por admiração, um cuidado que passa longe de ser docilidade exacerbada. 

Percebo que estamos tão conectados que às vezes parece que sinto o que está sentindo. Quando não estamos juntos não me sinto sozinho. E não é porque estou cercado de afazeres, casa, trabalho, compromissos inadiáveis. Eu apenas não me sinto sozinho (embora saibamos que estamos todos). Contraditório? Tudo é.

Hoje acordei assim: refletindo sobre essas coisas todas. Entre um afazer e outro, volta e meia me cercava desse sentimento de plenitude. Acho que é essa palavra. Não é avalanche, não é areia movediça, mas a calmaria de um lago, à noite, em que se é possível ouvir os grilos, os ventos, e tudo que nos cercam.

Passei a admirar coisas que não fazia antes, como contemporizar a natureza — esse eu fazia, mas se perdeu em algum momento, mas que agora retorna —, degustar o café da manhã com uma playlist que ecoa sobre o ambiente de domingo, ouvi-lo tocar piano; ah, e tomar suco com gengibre.

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Leandro Salgentelli nasceu em Jundiaí (SP), em 25 de setembro de 1994. É jornalista e especialista em Cultura Material e Consumo pela USP. Foi vencedor de dois prêmios nos gêneros crônicas. Atualmente, trabalha com assessoria de Relações Públicas Instituicionais.

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