Medo de dar certo
Não tenho medo da morte, não tenho medo do escuro, não tenho medo de pular de paraquedas, tampouco Bungee Jump. Mas tenho alguns medos enraizados. E prefiro que permaneçam, porque meus medos estão muito ligados à moral. Tenho medo de ser corrompido, de ser desagradável com a dor dos outros, de ser ríspido sem a menor necessidade, enfim, de ser maldoso. É um gatilho que anda comigo desde a hora que acordo até a hora em que vou dormir. É aquela consciência que grita lá ínfimo alertando nosso lugar, você não acha que bebeu demais, não está muito espaçoso, fala mais baixo.
Mas afinal, onde é o nosso lugar? É o mesmo que de todo o mundo. Essa é uma das vantagens da maturidade: saber-se onde. Saber a hora de falar, a hora de permanecer em silêncio, a hora de ir embora. Aliás, nunca é tarde para dizer: pontualidade é respeito.
É engraçado, porque a sensação que se passa é de que estamos sempre sujeitos ao efeito da opinião dos outros, mas na verdade o efeito é inverso. É apenas o cuidado com o outro, um cuidado natural que não exige docilidade fingida. Deixamos de se importar com o que a sociedade pensa ao nosso respeito no momento em que percebemos que não é ela que banca nossas frustações, não é ela que banca nossas faltas, nossos sonhos, nossas vontades. Nem é preciso ir longe para ter essa consciência, basta que sejamos honestos e responsáveis com tudo na vida.
Era sobre isso que conversava outro dia com uma amiga que conheci há pouco tempo, de como esses “pequenos medos” estão cada vez mais em desuso e, por falta de tino ou consciência, se passa por cima dos outro feito trator. Até que percebi que nosso grau de afinidade era tamanha e naturalmente comecei falar de outros medos, aqueles que os mais íntimos sabem, quando a gente se desconhece, quando o choro não cessa. Ora, todo mundo já sofreu por amor.
Então eu disse que nos últimos tempos me fechei de tal maneira que tem me assustado, e nas poucas vezes que abri a janela quando estava caminhando para algo sólido encontrava alguma desculpa para ir embora. Até que ela olhou para mim e disse: “Você não acha que é medo de dar certo e por isso que você vai embora? Pergunto por que já aconteceu comigo”.
Medo de dar certo. Um questionamento aparentemente simplório feito em um restaurante atravessou a semana inteira até chegar aqui. Sim, era medo dar certo.
Um medo que julgava incapaz de lidar, medo do desconhecido, daquilo que certamente fugiria do meu cotidiano. Medo da vida compartilhada, da cama compartilhada. Eu sempre me tive por inteiro e achava que estar junto perderia isso.
Ao aprofundar nessa análise talvez seja medo, também, de crescer. De fazer parte de algo maior, de criar vínculos. Um medo que se pode aplicar em todas as áreas da vida, como mudar de emprego, mudar de cidade, até mesmo de país, uma insegurança que alerta sobre os riscos de percurso, aquele medo lá do início, vai devagar, pra que tanta pressa.
Mas viver não é isso? Tudo aquilo que pode dar errado em algum momento se transforma no certo, desde que aprendemos a ressignificar os acontecimentos, aprendemos a ter bom humor para lidar com os imprevistos. Isso se der errado. O que a gente não pode é viver a mercê dos bodes expiatórios. Ora, pode acontecer de simplesmente dar certo. Então, que 2021 abramos janela ao risco.
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Leandro Salgentelli
Leandro Salgentelli nasceu em Jundiaí (SP), em 25 de setembro de 1994. É jornalista e especialista em Cultura Material e Consumo pela USP. Foi vencedor de dois prêmios nos gêneros crônicas. Atualmente, trabalha com assessoria de Relações Públicas Instituicionais.