Tempos sombrios
Uma senhora que conheci há pouco tempo pediu para fazer uma cola dos candidatos que vou votar, neste domingo, 7 de outubro. Ela disse que confia em mim e que tem a certeza que meu voto será consciente. Meu ego foi às alturas pela confiança que depositou. Mas ao mesmo tempo fiquei triste. Triste porque a informação ainda não atinge boa parte da população. E se atinge ela chega fragmentada. Fiquei com medo também: que responsabilidade! Será que o que eu acredito se encaixa no mesmo modelo de um Brasil melhor que ela acredita?
As eleições 2018 deverá ser estudada. Tempos sombrios vem por aí. E não por uma questão ideológica, mas por questões de polaridades. Dois extremos disputam o governo desse país. Pela lógica faz até sentido – como diria, problema seria se dois extremos do mesmo ideal disputassem à presidência.
Minha questão não é partidária, mas o que me chama a atenção é o como as notícias falsas têm ganhado proporções e como elas podem ser decisivas para os próximos quatro anos. Como jornalista, e pesquisador sobre o assunto, até ontem nossas preocupações eram com as notícias falsas e a pós-verdade. E diante desse caos que vivemos, surge um outro conceito: a autoverdade. Quando a certeza na opinião importa mais que o fato e tudo aquilo que é verificável. A autoverdade tem ganhado vez – e talvez vá influenciar no resultado desta eleição.
E de todas as minhas preocupações, a maior delas, aquela que me entristece verdadeiramente, é que muitos brasileiros ao chegar ao local de votação vão pegar qualquer papelzinho jogado no chão sem conhecer os candidatos. Sem saber se os representam.
Historicamente, o Brasil vem em declínio em insatisfação com a política. Pela corrupção, pela incompetência, pelas promessas não cumpridas, pela crise econômica, e os exemplos amontoam-se. A incerteza nunca esteve tão presente.
Fora a incerteza, quem não acreditava em amor passou a acreditar: nunca vimos durante esse percurso algo tão expressivo como a paixão e o ódio. E como todo apaixonado, como todo êxtase, foge a racionalidade. Foge o senso crítico.
De um lado, há quem defenda a liberdade. Do outro, a segurança. Mas como diria um velhinho sabido que morreu há pouco tempo, Zygmunt Bauman: nenhuma nação até hoje conseguiu o equilíbrio entre a liberdade e a segurança.
O sociólogo, no livro O retorno do Pêndulo, explica que se temos liberdade abrimos mão da segurança e se temos segurança abrimos mão da liberdade. O curioso é que o Brasil conheceu as duas facetas. As duas trouxeram consequências – uma mais grave que a outra.
A democracia ainda é nova. Por quase 22 anos ficamos sem direito ao voto. E que alegria ter conquistado essa liberdade. Que alegria poder exercer a democracia. E por ingenuidade, ou até mesmo por preguiça, ainda acredito que o voto é o único meio de transformação. E por mais que essa frase seja corriqueira, teremos que ser responsáveis pelo que vai acontecer nos próximos anos. E teremos que arcar com as consequências também.
Passei minha cola de candidatos para a senhora da limpeza aqui onde trabalho, o correto seria sentar com ela e perguntar sobre o que gostaria que mudasse nesse país e então ir atrás dos candidatos que a representasse, segundo seus ideais. Mas chego à conclusão que nos falta é tempo. Tempo para enxergar o outro.
Se há boa notícia? Não apostaria nisso. Esse mal-estar ainda vai nos assombrar. E só um dia, quando chegarmos à compreensão desse amor e ódio que permeiam o cenário político, conseguiremos analisar o que acontece hoje. Mas é sempre bom lembrar: os tempos sombrios de hoje sempre deixam marcas no futuro de amanhã.
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Leandro Salgentelli
Leandro Salgentelli nasceu em Jundiaí (SP), em 25 de setembro de 1994. É jornalista e especialista em Cultura Material e Consumo pela USP. Foi vencedor de dois prêmios nos gêneros crônicas. Atualmente, trabalha com assessoria de Relações Públicas Instituicionais.