Crônicas

Sobre quem escreve

É comum as pessoas perguntarem se já experienciei todas as coisas que escrevo. Acho a maior graça, porque geralmente são amigos próximos que se queixam com a maneira que dou vida a um texto, afinal, sabem das minhas poucas vivências amorosas. Devem-me achar um tirano. Enfim, a resposta vai de encontro às perguntas que fazem aos grandes romancistas: o personagem é sempre você? Sim e não.

Cristovão Tezza disse certa vez que todo personagem literário é uma espécie de sentimentos pessoais, inconscientes que afloram e se revestem de uma biografia inventada, religando memórias emocionais do escritor a aspectos concretos e objetos do seu próprio tempo. Todo o resto é instinto narrativo.

 É bom tomar cuidado com as análises psicanalíticas dos próprios autores porque, como próprio Tezza expressou, é inevitável à vaidade e pretensão que move quem quer que se meta a escrever um livro. O escritor costuma ser um péssimo analista de si mesmo.

Basicamente é isso. Mas eu sempre tive a necessidade de entender o que sentia. E escrever foi à única maneira que consegui para externar o que se passava dentro. Penso que senão tivesse encontrado a arte eu não estaria vivo hoje. Então, mais do que tentar impactar alguém com palavras, escrever é apenas um processo de dar sentido às coisas que vejo, que sinto, que penso. Pretensão zero. A única coisa que me move é essa vontade expressar meu olhar para o mundo e também as coisas que me cercam. É uma maneira de organizar o pensamento, dar sentido à vida, essa coisa boba que nos apegamos. É uma tentativa de responder às dúvidas, os questionamentos internos.

Quando escrevo tenho acesso ao meu lado mais sensível e despretensioso. Escrevemos porque queremos ter uma voz, para transbordar ou esvaziar nosso balde cheio de emoções.

Posso falar do amor da maneira mais visceral e horas depois chegar à conclusão que não é nada daquilo. Escrever é arte. Criação. Inventar um personagem para mascarar uma verdade tão absoluta. Às vezes é autoengano. Provocação.

Às vezes a necessidade é tão grande que salta os dedos.

Às vezes tenho a impressão que se escreve para refugiar a inquietação. Lembro-me de sentir isso quando lia as obras de Clarice Lispector. Consigo imaginá-la em frente a uma máquina de escrever, levantava, ia fumar, fazer um café e de repente retornava a escrever, mas daí o ritmo já era diferente, como se havia encontrado a resposta na penumbra.

Quem escreve sempre está atento ao que acontece no seu entorno, e na maioria das vezes, é nessa observação que se captura as pequenas coisas que são inerentes à maioria. Escrever também é isso: trazer em palavras aquilo que a maioria não vê.

Facebook Comments Box

Leandro Salgentelli nasceu em Jundiaí (SP), em 25 de setembro de 1994. É jornalista e especialista em Cultura Material e Consumo pela USP. Foi vencedor de dois prêmios nos gêneros crônicas. Atualmente, trabalha com assessoria de Relações Públicas Instituicionais.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *