Crônicas

Daquele encontro que nunca imaginei um dia

Ontem fez uma semana desde o nosso primeiro encontro. Devo dizer que estou com medo do que vou dizer por que tenho medo de que perceba. Eu sou assim, não gosto que notem minha fragilidade. Eu estava ali por uma insistência sua, você sabe.  É que sua insistência para ir vê-lo abriu uma janela dentro do meu ser que havia me deixado desvairado. Não imaginava que desse encontro para falar sobre suas perspectivas futuras fossem alimentar durante a toda a semana esse caos que me cerca e que não consigo entender — eu tenho me preservado tanto.

Esta semana não foi como as outras, porque em cada coisa que pensava, cada música que ouvia, em sua companhia eu estava. Não é porque estou com uma taça de vinho ao meu lado que minhas vísceras deixaram de ser honestas.

Pontualidade sempre foi algo que preservei, e você soube quando ainda tinha dúvidas se iria ou não. Quando apertei a campainha, uma senhora saiu e logo você apareceu na porta. Minha pontualidade te assustou porque quando apareceu observei que os teus olhos pulsaram.

Você me ofereceu uma água ou café, mas poderia ter sido um vinho, no entanto, optei pela água. O sol lá fora havia me deixado molhado e você soube pelo meu suspiro ofegante.

Não foi um encontro como qualquer outro — e você sabe disso. Eu sentei no seu sofá, que tanto te conhece, enquanto você foi buscar minha água e aquele silêncio me fez pensar no que estava fazendo — no que nós estávamos fazendo.

Você me perguntou sobre as coisas que escrevo, do meu livro, falou também dos livros que leu. A gente sempre parte daquilo que é interessante no outro. Então falamos de literatura. Naquele instante soube que você não era um homem comum e você sabe disso. Não foi só um encontro para falar sobre o que você pretendia, sobre suas perspectivas; eu estava ali, absorvendo tudo, sua empolgação, seu brilho nos olhos — devo dizer que fazia tanto tempo que não percebia algo parecido.

Naquela conversa que já tinha passado horas e horas, eu disse o quanto é difícil viver nesse mundo de arranha-céus, que a literatura servia como capricho para reescrever nossa biografia romanesca. Enquanto que você, entre um hiato e outro, tentava tirar uma fagulha do que era. Revelou-me seus antigos amores, seu amor pelo esporte, pela família, pela religião.

O meu silêncio o incomodou porque você queria saber o que se passava além dos meus olhos. Esta é minha característica: eu me distraio fácil, mas para sua sorte eu estava ali. Inteiro. Todo o resto não importava porque eu estava atento apenas ao que você dizia.

Eu palpitei sobre seus objetivos, sobre suas vontades, idealizações e disse o quanto eram ambiciosos sem ser pejorativo. Espero que tenha compreendido. Após meus vocabulários parecerem desafetados você foi buscar mais água — agora, para nós dois. Soube nesse momento que o calor emergia em você também.

Olhar nos seus olhos me fez enxergar a mim mesmo. Porque foi nessa observância que entendi o que me faltava, que fez entender esse caos que me rodeou durante a semana, que não tinha sido fácil. O que não tem sido fácil para ninguém.

Antes de ir embora você me entregou uns folhetos seus. Seus olhos franziram porque ainda desconfiava do que poderia dizer. Tiramos uma foto para registrar aquele encontro que nunca imaginei um dia, então, cautelosamente tentou um abraço.

Mas não tinha jeito, nossa conversa era degustativa demais, até que na saída, rumo ao portão da sua casa, falamos sobre a feminilidade, sobre o conceito de família na era pós-moderna e, nesse minúsculo de tempo, o Uber chegou.

Eu disse tchau e você esperou eu entrar no carro. Não olhei para trás. Mas devia ter dito até breve. E, na absoluta certeza, você piscaria os olhos dizendo até amanhã.

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Leandro Salgentelli nasceu em Jundiaí (SP), em 25 de setembro de 1994. É jornalista e especialista em Cultura Material e Consumo pela USP. Foi vencedor de dois prêmios nos gêneros crônicas. Atualmente, trabalha com assessoria de Relações Públicas Instituicionais.

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