Crônicas

A busca pelo objeto perdido

Um amigo muito próximo perguntou outro dia, enquanto abríamos um vinho, se voltaria com o ex. Estávamos falando sobre frustrações, as encrencas que depois superadas nos fazem questionar: mas como me sujeitei a tudo isso?

Costumamos responsabilizar a carência como se ela fosse o ponto para que nos sujeitássemos as artimanhas do outro. Do meu ponto de vista, a carência é um dos menores problemas, desde que aprendemos a identificá-la. Há outras razões que nos fazem permanecer em uma relação, que são razões mais profundas e que demanda muita análise para compreendê-la.

A começar pela relação que tivemos com nossos pais, é muito comum atrair para nossas vidas os mesmos padrões de comportamento. Quando não atrai, transfere, o que também pode ser um fator de desgaste. São padrões de comportamentos que se passam adiante muitas vezes não por vontade, mas, sim, porque está intrínseco em nossa identidade.

Fomos violentados de várias maneiras na infância, seja pela ausência, seja pelo excesso de proteção, que resultaram em um homem inseguro ou na arrogância exacerbada. Tudo tem uma explicação.

Coloquei isso porque se faz importante pontuar quem somos para cogitar em um retorno com o fantasma do objeto perdido, como diria Lacan.

Retorna-se ao amor todos aqueles que perambulou durante a vida e se frustraram, a ponto de criar uma ideia fantasmagórica sobre o início das relações, e se tivesse dado certo, e se tivéssemos feito diferente, as velhas neuroses das possibilidades.

Por outro lado, por mais que eu relute com essa ideia de retorno, tenho que dizer: eu acredito que as pessoas melhorem. E evoluiem para melhor. Já escrevi sobre isso. E por mais que possa parecer poético depois de duas décadas retornar com o amor de início, de achar interessante essas voltas que a vida dá; considero que o amadurecimento da existência é, por vezes, transformador, a ponto de compreender o que aconteceu, aceitar, ressignificar, e se abrir para outras possibilidades. Podemos até mudar, mas há comportamentos que são imutáveis.

Eu não tenho tanta certeza se lidaria bem revivendo comportamentos do outro que eu rejeitava, ainda que seja ínfimo —, o passado sempre volta à tona, seja pelos fantasmas de uma prospecção sobre o outro, seja pela mágoas que não se curaram, seja pela ausência da paternalidade na infância, seja pelo que for.

Não sei se me resignaria aos costumes, aos velhos hábitos, pela facilidade da coisa.

Não sei se me sujeitaria ao cômodo, a busca pelo objeto perdido dentro de casa, que ao reencontrar, não estranharia deixar jogado em um canto tempos depois.

Mas esse sou eu, complexo, caótico, intenso, que prefere a indefinição de um futuro incerto a ser escravo do passado.

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Leandro Salgentelli nasceu em Jundiaí (SP), em 25 de setembro de 1994. É jornalista e especialista em Cultura Material e Consumo pela USP. Foi vencedor de dois prêmios nos gêneros crônicas. Atualmente, trabalha com assessoria de Relações Públicas Instituicionais.

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